De manhã levantou-se cedo, como há já muito o tem feito. A meio da manhã, após ingerir a sua quantidade diária de hidratos de carbono, equipou-se com o fato de treino, apertou os atacadores (mas não prendeu o cabelo, esse não, pois gostava dele solto nas costas). Entrou no ginásio, fez o aquecimento do costume e tomou o seu lugar na linha de partida.
Após soar o apito, os seus pés largaram o chão alternadamente. Sabia que não ia aguentar muito tempo... sabia que ao fim de dois minutos estaria completamente de rastos e que nem conseguiria dar mais um passo.
Marcou dois minutos no cronómetro, pois sabia ser esse o tempo máximo que sempre conseguira correr. E a corrida começou...
... Já só faltavam 30 segundos para acabarem os dois minutos e já sentia um peso no peito como se estivessem a dar-lhe marteladas nos pulmões... No entanto, assim que o tempo acabou, pensou para consigo mesma: "e se tentasse mais um minuto?"
Fez mais um esforço e, com efeito, já cambaleante, consegiu os três minutos. Já se sentia contente: conseguiu um minuto a mais! No entanto, não satisfeita, pensou de novo: "e se chegasse aos quatro?"
Deu lanço nos braços para não parar e, para seu espanto, conseguiu os quatro minutos! No entanto, achou que não aguentava mais, mal conseguia respirar, tinha dores nas pernas e doíam-lhe as costas devido à falta de oxigénio. "Acho que vou parar..." pensou...
Nesse momento, distraída como era, começou a pensar em coisas bonitas... pensou no colégio, em música, na academia, Bach, em violinos e pianos, em cravos e órgãos e nas pessoas que mais gostava. E foi precisamente graças a estas últimas que se esqueceu que estava a correr e que mal conseguia respirar e que tinha dores...
Parecia que só haviam passado segundos quando alguém a manda parar, pois distraída como era, continuava a correr. "Desculpe..." começou "não consegui fazer melhor..."
"Qual quê? Conseguiste correr dez minutos!" "Dez?"
Teria corrido dez? No ritmo em que estava ainda aguentava mais alguns...
"Parabéns! Conseguiste correr dez minutos! Fantástico!"
Nesse momento sentiu-se como se tivesse ganho um campeonato. Não que fosse algo de mais, aliás, é coisa banalíssima, os restantes 21 colegas, todos sempre haviam conseguido correr dez minutos... coisa simples, comum... como eu disse: banal...
Mas para ela não foi banal; e, apesar de ninguém ter reparado, feito uma festa, a ter levado em braços ou ter ganho uma medalha, naquele momento sentiu-se atleta de umas olimpíadas menores... e tinha sido a vencedora!
Sei que este texto parece um tanto banal (como os dez minutos!) mas para mim não o é. É que, desculpem os meus caros leitores, é complicado não se sentir feliz após quatro anos a correr um máximo de dois minutos por causa de problemas respiratórios e ter de ficar num banco a ver os outros correr os restantes oito; esta semana não fui para o banco E saltar de dois minutos para dez assim de repente é, segundo as pessoas que souberam, um "grande desenvolvimento". Para mim, é uma grande vitória.
Mas qual terá sido a diferença? Melhor forma física?
Não creio. Dou esta vitória às pessoas que mais gosto, pois foi o facto de eu pensar nelas por elas serem tão especiais para mim que me levou a esquecer as dificuldades...
A minha força física é a mesma; agora o que percebi foi que, mesmo em exercício físico, é essencial a força do coração... perdoem eu só ter chegado agora a esta conclusão tão óbvia, mas nesses assuntos sou como na educação física, um bocado lenta...!
É incrível o bem que fazemos às pessoas que gostam de nós!.... Mesmo quando estamos longe!...
Hoje dei em Composição que, no sistema tonal, uma só nota isolada não quer dizer nem significa nada... se juntarmos mais uma nota, já quer dizer alguma coisa... e se a relacionarmos com várias notas, fará todo o sentido! À primeira vista parece óbvio, mas apesar disso quem já pensou nisto?
Do mesmo modo, por muito grandes que sejamos, nunca seremos grandes sozinhos... pois os outros, embora mais pequenos que nós, unem-se, formando um corpo ainda maior que o meu...
Existir abrange mais que a matéria; existir depende dos outros... são os outros que nos dão a nossa existência.
Sendo assim, todos existimos e não existimos. A tia que morreu há 10 anos existe? Sim, existe. E noutro contexto? Talvez já não...
Estou a alongar-me demais. Resta-me dizer que às vezes somos capazes de coisas impensáveis para algumas pessoas só para alcançar os nossos objectivos... Como disse Fernando Pessoa:
"TUDO VALE A PENA QUANDO A ALMA NÃO É PEQUENA!"
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