quarta-feira, 16 de julho de 2008

QUEM É O CONDUTOR?

Chegaram as férias! Finalmente, o último acorde do concerto do dia 12 de Julho deu entrada aos dias de merecido descanso... Primeiro, vem a excitação; depois, a calma e finalmente a busca deseperada por algo para fazer; e damos por nós, em dias em que o tédio aperta mesmo, a desejar ter pelo menos noventa minutos de aulas para "queimar" um pouco da monotonia.

Férias podem significar trabalho cerebral à mesma (irrita-me quando algumas pessoas encaram as férias com corpo e cérebro parados, às vezes com excepção do estômago, que está sempre cheio) e houve uma história verídica que ouvi que me fez reflectir um pouco sobre este assunto. Condução? Talvez... literalmente...

Vou deixar-vos a par desta história, para perceberem o meu raciocínio e para vos provar como às vezes um acto pode ser fatal. Aqui vai.

Aconteceu com um parente de uma amiga da minha mãe (que vou chamar de X) que tinha ido passar as férias dele com a família a Espanha. Ao que parece, foram umas férias muito bem passadas e todos regressaram a Portugal, satisfeitos.

Ora aconteceu que X sentia que ia muito apertado na camioneta em que viajava, por isso perguntou se não poderia mudar de veículo. Ao que lhe responderam que sim, que mal entrassem em Portugal iam fazer uma paragem e X mais a família poderiam trocar de camioneta.

Assim o fizeram. A camioneta ia praticamente vazia e, enquanto todos estavam sentados nas pontas, X decidiu sentar-se ao fundo, no lugar central.

A meio da viagem em portugal começou a chover até que houve mesmo um temporal. E, assim quis o destino (seria mesmo o destino?), o condutor não ia muito lúcido e conduzia com excesso de velocidade. De trás, o senhor X gritou para o condutor ir mais devagar, pois já pressentia perigo. Mas o condutor não fez caso.

Então, X levantou-se para ir lá pessoalmente. No momento em que se levantou, a camioneta caiu de uma ribanceira abaixo e foi contra um pinheiro. O pinheiro rasgou a camioneta a meio e o senhor X, que ia no meio, acabou por sucumbir com os ramos de um pinheiro espetados no corpo. O condutor não teve nada.




...




Esta história é verídica e é daquelas histórias que nos deixam de boca aberta (e, por outro lado, vontade de matar o condutor, caso o encontrássemos na rua). Por falar nisso, será que o condutor tem um peso na consciência ou anda a gabar-se da sua miraculosa sobrevivência e a culpar a chuva miudinha? Esta hipótese parece-me a mais viável.

No fim, a minha mãe comentou que ninguém pode fugir ao destino e que o homem tinha de morrer naquele dia, pois os actos de mudar de camioneta, sentar-se no meio e levantar-se tinham sido a prova de que, quando chega a nossa hora, temos de morrer de qualquer maneira.


Teoria com a qual eu não concordo. Por isso, aleguei que os actos que o homem teve foram fruto da sua vontade e não do destino. A minha mãe ripostou: pois, estava destinado a agir daquela maneira. Mas mãe, comecei, apetece-me beber água; não me parece lógico que o destino me tenha reservado a vontade de beber água; a vontade de beber água é fruto do calor, isso quereria dizer que o destino quis que estivesse calor para eu beber água... Ou seja, terminei, foi o homem que assim fez, tudo começou porque achou que ia apertado na primeira camioneta e quis mais espaço e acabou por fazer as escolhas erradas, mas daquelas irreversíveis... É como num teste: respondeu tudo mal e não passou...

Estava já dito que não foi obra do destino. Ainda que não o tenha sido, podíamos já antever a catástrofe, se tivéssemos parado para olhar para o ar do condutor da segunda camioneta, podíamos ter visto que não estava em condições de conduzir... modíamos supor a catástrofe através desse método, mas nunca considerá-la certa.

Por isso é que às vezes temos um leque de probabilidades de coisas para nos acontecerem, pois estiveram condicionadas por um acontecimento anterior... Fiz-me entender?

Lis litem parit (questão puxa questão)... e, do mesmo modo, acontecimento puxa acontecimento (ou mais que um, a não ser que seja daqueles em que não temos mesmo saída).




Deve ser impossível ao ser humano provar que o destino dito como "tem mesmo que acontecer e não podemos fazer nada" existe mesmo ou se somos mesmo donos por completo da nossa vida... Porque, ao mesmo tempo que, por exemplo, posso alegar que bati na porta porque a abri com força, outra pessoa pode alegar que eu tinha de abrir a porta com força para me magoar... É impossível decidir qual das duas hipóteses é a correcta, pois até agora só temos teorias e não provas concretas. E somos bem capazes de nunca o saber até à data da nossa extinção (essa, sim, está mesmo destinada, tudo tem um tempo de vida e isso está cientificamente provado).

Isto do destino é algo muito complicado... de apenas uma saída, mas muito complicado...

Agora vai pelas nossas crenças. Eu acredito que faço da minha vida o que quero. Mas que a todos nós nos acontecem coinciências engraçadas, lá isso é verdade! Conheço um casal que se conheceu por coincidência em trabalho e que, ao fim de uns anos sem se voltarem a falar, voltaram a ver-se em férias... no estrangeiro! Sim, que bela coincidência, com um mundo tão vasto, tinham de ir para o mesmo sítio, à mesma hora, local, rua... E, ao que parece, isso ainda aconteceu mais duas vezes... Até que, à última, lá se decidiram conhecer melhor, hoje estão casados há anos e não estou a vê-los a separarem-se muito depressa, como agora é moda.

Às vezes acontece... Essas pessoas a quem isso acontece dizem com frequêcia "foi o destino"... e nós ficamos a pensar...

Também já tive coincidências engraçadas, como, por exemplo, com um antigo colega meu, entrámos na mesma academia com a mesma idade, depois fomos parar à mesma escola, deixei de o ver no início do meu 10.º ano, parti um pé, fui parar ao hospital e vi que, por coincidência, a mãe dele trabalhava lá e no dia 12, não o via há um ano, estava a sair do camarim pois já estava atrasada (como sempre) e sem querer esbarrei contra ele... há séculos! Depois tinha de acontecer o mesmo há saída...

E há as coincidências menos engraçadas mas que terminam bem, como andar na rua e, quando damos conta, uma carrinha sem travões com gasolina acaba de bater no muro por onde nós tínhamos passado há um segundo e apenas nos salpicando o casaco com gasolina a menos de 5 cm de distância... creio que já comentei esta história com alguém...

Depois há a coincidências que terminam mal, mas dessas nunca tive nenhuma.




Enfim:

mas aquilo em que acredito mesmo, mas mesmo, é que as coisas nos acontecem mediante aquilo em que acreditamos. Confuso? Não muito, senão vejamos: se eu acreditar que o destino guia a minha vida, então vai guiar mesmo, pois sempre que eu tiver hipótese de escolher, não o vou fazer, mas antes tenho mais probabilidade de ficar à espera que o destino decida por mim... Pelo contrário, se eu acreditar que eu tomo conta da minha vida, tudo o que me acontece é por minha culpa (mesmo as coisas más) pois eu agi pela minha vontade e... acontecimentos puxam acontecimentos, como já foi referido.

Isto que eu acabei de dizer pode significar que, tanto uma teoria como a outra, estão correctas. Mas não foi comprovado (hoje em dia a nossa palavra não tem tanto valos quanto um par de cálculos). Por isso fica a eterna questão e ficaremos sem saber, pegando na história que contei. Mas afinal, na nossa vida,




QUEM É O CONDUTOR?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Roberto Calderón

Se ficou com uma má ideia do heterónimo anterior, creio que vai achar o Aurélio de Souza boa companhia após conhecer melhor o Roberto Calderón. Este (por agora) último heterónimo de que se tem conhecimento biográfico é o frio numa tarde de Verão, o fogo numa floresta, uma mancha num pano branco...
Vive no século XIX e é primo directo de Aurélio de Souza. No entanto, ainda que este o tivesse combinado, sempre rejeitou aceitá-lo como família e adoptar o mesmo apelido, ainda que por vezes necessite da sua ajuda, ou para o livrar da prisão, ou pagar dívidas...

Desconhece-se o nome verdadeiro de Roberto Calderón e ele também não o recorda. Sabe-se que vivia com os avós na Serra da Estrela, pois a mãe havia morrido quando ele nasceu e o pai suicidou-se. Também tinha um irmão gémeo que morreu afogado no rio aos 3 anos.
Em suma, desde muito pequeno se habituou a ver as pessoas de que gostava a partir, uma atrás da outra. E chegaria também a vez dos avós. Roberto, que tinha na altura 7 anos, foi levado para um orfanato em Lisboa e, um ano mais tarde, transferido para Espanha, onde viveu os piores anos da sua vida devido a maus tratos e más condições na habitação. Aprendeu também a falar espanhol, passando mesmo por não ser português, nacionalidade que rejeitou. Os outros órfão também não lhe facilitavam a vida, com excepção de um, o seu melhor amigo. Aos 17 anos decidiu que precisava de um nome. Nunca soube qual o seu nome, sabia que tinha um, mas não recordava, pois era muito pequeno e os avós chamavam-no quase sempre por "meu anjo" ou "príncipe dos olhos lindos" (este mais a avó, devido ao facto de os seus olhos serem de um negro muito profundo, não se distinguindo praticamente a pupila da auréola do olho, pois eram da mesma cor). Por isso arranjou o nome de Roberto Calderón, Roberto, que significa "glorioso" e Calderón, pois o primeiro castigo que lhe fora inflingido no orfanato espanhol foi o de despejar-lhe um caldeirão a ferver pela cabeça abaixo. E tivera a glória de nem soltar um gemido mordendo a língua com força, que seria decerto apreciado por quem lho deitou.
Combinou a fuga com o amigo, Marcelo (que, anos mais tarde, se refugiaria em França sob o nome de Marcel Dubois e que também é um heterónimo, cuja biografia ainda não tenho dados, também por agora). No entanto, esta correu mal e o amigo foi apanhado. Quando deu por isso, Roberto já se encontrava bem longe...
Durante os anos que se seguiram viveu na rua e teve actos de criminalidade, na sua maioria, para sobreviver. Aos 31 anos, chegou a Portugal e reencontrou-se com o primo Aurélio; ambos os primos não podiam ser mais diferentes.
Roberto é um anarquista e tem ódio aos bens materiais. Aprendeu violino à conta própria, por isso gosta que as pessoas se esforcem sozinhas e sem ajudas; essas, sim, são fortes, gloriosas como ele...
É muito alto, tem cabelo comprido, encaracolado. Os olhos são muito escuros bem como o cabelo e tem tez morena, a contradizer com o primo, que é muito branco. Veste habitualmente o seu primeiro casaco e não tenciona ter outro, ainda que este esteja gasto e com buracos. Aurélio tenat obrigá-lo a vestir-se convenientemente, mas sem sucesso. Por isso, esconde de toda a gente que é seu primo.
Roberto consegue ser extremamente agressivo e chega a agredir as pessoas que não gosta, às vezes sem motivo aparente. É extremamente inteligente (aprendeu a ler e escrever sozinho) e muito calculista... age muito de acordo com instinto de sobrevivência, ao qual está habituado. Por isso, pode ter comportamentos sem pensar primeiro. Coloca, por vezes, os sentimentos acima da razão, o que o leva a ter actos estranhos.
Nunca ninguém lhe viu um sorriso; Roberto tem sempre uma expressão carregada, zangada por vezes... apesar da sua aparência feroz, os seus olhos mostram uma pessoa, no fundo, incapaz de magoar um animal (magoa mais depressa uma pessoa) e tem uma expressão muito triste... nunca ninguém o viu, contudo, a chorar; isto porque as lágrimas não lhe caem dos olhos, mas do coração, que diz não ter. ("Tengo los ojos adonde tenía mí corazón hace mucho tiempo").

Teve uma paixão secreta pela dama apaixonada do primo e que desapareceu. No entanto, nunca fez nada a respeito disso ("Cómo puedo? Ella es tan blanca y yo tan oscuro... ella es tan buena y yo tan malo... Cómo puedo se ella es el agua y yo el fuego?).
Os seus poemas e narrativas são dramáticas como as do primo; no entanto, mais fatalistas e abordam com frequência o desejo da morte. Não tem anseios na vida; só uma coisa o faz viver: ahora no puedo, pero arreglaré dinero y boy a buscar mi amigo Marcelo ni que tenga que corrir hasta el fin del mundo!
Trascrevo um poema de Marcelo (Marcel Dubois), que foi para França após a saída do orfanato e de Roberto Calderón.

Dans cette maison où tout est possible
les mots sont aussi livres,
et grandent, et vivent et meurent
comme le Soleil et faisent-il, jaune,
se torner un peu de rouge...

Dans cette maison où tout est possible
j'habite aussi livre comme les mots
je vole avec mes paroles
achetêr un peu de papier
pour écrire avec les mots que meurent...

(La tristesse habite le plus profonde de mon coeur
Je ferme mes yeux et vois tout noire...)

Dans cette maison où tout est possible
mon coeur ne me laisse pas avoir de rêves...


Verte así, muerto, no es sencillo,
Ni siquiera, triste, ese tu estado,
¡Ah, que es quedarse sepultado
Debajo de ún gran castillo!

En caminos llenos de soledad
Yo he encontrado dolor y muerte
Ni siquiera tú has tenido la suerte
De huir de esa cruda voluntad…

Estas paredes escuchan, hablan:
“¡No existen personas que hagan
Estos pobres salir de tristura!...”

¡Ah, cuánta pena de ellas yo tengo!
Pues que así, esperanzado, vengo:
Voy a levantarte de tu sepultura…

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