Uma noite o mar subiu e não poupou a pequena casinha costeira pegada a um farol azul. E levou consigo o pequeno bercinho de folhos.
O bercinho andou à deriva durante toda a noite. E, quem sabe, a criança dentro dele sonhava encontrar-se num pequeno barquinho balouçante nas ondas do mar.
Cresceu numa casa que pensava ser a sua com uma senhora que pensava ser sua mãe. Não foi à escola. Escusavam perguntar-lhe de línguas ou matemáticas ou o quer que fosse. Mas quando se tratava do mar parecia reunir em si todo o saber do mundo.
A sua curiosidade parecia voltar-se para o mar e o céu. Para ele, não havia a terra.
- O que são aqueles pontinhos brilhantes que aparecem quando o céu está escuro?
E a senhora respondia que eram estrelas.
- O que são estrelas?
E lá lhe era explicado com muita calma que as pessoas bondosas, ao fim de algum tempo e ao contrário das outras pessoas que morriam, iam ocupar um lugar no céu. E eram as estrelas.
Uma vez foi assistir à partida de quatro navios. Bem os esperou de volta, mas nunca mais voltaram. Indagou porquê e para onde é que o mar os tinha levado. E a senhora, pacientemente, respondeu:
- Foram para onde tinham de ir.
- E para onde tinham de ir?
- Lembras-te do passarinho que guardaste até aprender a voar? Ao fim de algum tempo, voltou para o ninho onde nasceu sem que antes o tivesse visto. A Natureza é assim.
- E o que tem o mar a ver com isso?
- O mar é uma estrada tipo a que passamos todos os dias para ir à vila trazer pão. A gente pode atravessá-lo. Mas é muito perigoso.
- É possível conseguir atravessá-lo?
- Depende de aonde queres chegar.
E a senhora tornou:
- O mar, muitas vezes, leva as pessoas de volta para casa….
Cresceu mais ainda. Já jovem gostava de olhar as estrelas.
- Já não tens idade para olhar as estrelas…
Uma noite, o mar rugiu mais do que nunca. O vento Sul agitava os vidros da janela com força. Partiu o trinco e a janela abriu. O rapaz levantou-se, vestiu um casaco e saiu. E, por entre ruídos do mar e do vento, ele viu-a.
Hipnotizante e tentadora, o céu ostentava a estrela mais brilhante que ele alguma vez tinha visto.
O rapaz, sempre com os olhos postos na estrela, entrou e voltou a deitar-se.
Mas não conseguia dormir. Volta e meia, todas as noites, encontrava-se à janela, a olhá-la…
E ela lá em cima, convidativa, sempre a chamá-lo…
Sempre a chamá-lo…
E ele ouvia-a dizer o seu nome…
Cada vez mais alto…
E a estrela continuava a chamar…
E ele era tentado pela estrela…
E ele pensava “Deve ter sido uma pessoa muito boa para brilhar tanto…”
Uma noite, não aguentou mais. Esperou que a senhora dormisse, levantou-se, vestiu-se e saiu para a praia. O vento rugia… O mar parecia querer rebentar…
Com habilidade, soltou as cordas de um dos barcos atracados. Abriu as velas, pôs-se ao leme e o barquinho zarpou…
Deixou de ver a costa… Mas continuava a ver a estrela… E seguiu na sua direcção…
De repente, o mar enfureceu-se… Pôde constatá-lo quando viu surgir, atrás de si, uma onda enorme, prestes a derrubar o barco… Com pressa, tentou desviar-se, mas em vão… A onda caiu pesadamente em cima dele e do barquinho…
Rapaz e barco voltaram a endireitar-se, quando vêem outra onda… desta vez, foram mais rápidos… mas o mar não se detinha…
As horas passavam devagar… E vêem-se trovões…
E o barquinho vai agitado sobre as águas do mar… No entanto, desafiando a tempestade, o rapaz mantém-se ao leme…
Estão a chegar ao centro da tempestade… ao longe, os relâmpagos mergulham com um estrondo no oceano e surgem ondas enormes… Mas nem por isso o barco pára…
De repente, acontece o impensável… Um relâmpago luminoso como a estrela que se seguia cai mesmo em cima do barco…
Aquando a alvorada, finalmente acordou… Estava no mar, o mastro caído, as velas queimadas… E, no céu, teimando não desaparecer e coberta pelo nevoeiro, estava a estrela… Que parecia mais próxima…
O rapaz levanta-se, arranja umas velas provisórias e agarra o leme com firmeza… E o barco recomeça a sua viagem…
O rapaz olha a estrela no céu… e a estrela está cada vez mais perto… E, quanto mais avançava, mais o nevoeiro desaparecia…
Por fim, avistou algo… Ao longe, erguia-se um farol azul… ao lado, uma pequena e velha casinha costeira…
E a estrela desapareceu…