segunda-feira, 24 de março de 2008

A Lua. Só a Lua. Um disco branco, brilhante no céu. Apenas a Lua. Ornam-na estrelas pálidas, de luz mortiça, difusas, murchas, mortas.

Árvores. Árvores altas, escuras, de troncos nus e escuros. A Lua retalhada pelos galhos das árvores e com um sorriso falso... a Lua, cínica, sorri para as árvores mortas e para o terreno estéril de terra escura e cinza.

Um lago... um lago seco, ou pelo menos, quase, do qual só restavam algumas espinhas de peixes e ossos de animais mortos enterrados na lama borbulhante.

Nos ramos das árvores, ouve-se o piar débil de corujas esqueléticas e desfiguradas e por todo o lado acorrem os animais com o crânio saliente e os dentes dispostos para a frente, irremediavelmente tortos e com os olhos vazios vazios, brilhantes, faiscantes de um vermelho vivo, flamejantes e profundos como a noite. As costelas realçam no dorso magro e quase sem pele. E movem as orelhas em todas as direcções aquando os sons mais esganiçados das corujas e mochos. E rodam a cabeça e soltam sons praticamente inaudíveis, sufocantes, arranhados.

O cavaleiro entra na floresta com o seu cavalo. As pegadas do animal marcam-se no solo lamacento e as suas patas debatem-se por não caírem no fundo dos pântanos escuros.

O cavaleiro tira a flauta do bolso. E começa a tocar.


As árvores arrepiam-se, uivam, abanam-se de desespero e debruçam-se sobre o cavaleiro que toca flauta. Pássaros raquíticos chovem das árvores que continuam a abanar-se, a tentar permanecer mortas e os animais tentam isolar a música com ruídos imperceptíveis.


Mas o cavaleiro continua a tocar e fá-lo cada vez mais forte. A Lua recolhe-se, zanga-se, desaparece num grito desesperado. E as estrelas desaparecem na escuridão do céu nocturno, aos soluços.

O cavaleiro continua a tocar no seu cavalo. Nisto, da terra de cinza e de lama, brota uma erva verde que começa a danbçar ao som da música. Os crânios de animais mortos cerram as mandíbulas. E a planta começa a crescer.

Pelo meio das árvores desesperadas aparece o vulto de uma velha de roupa escura, cabelos brancos compridos e olhos cinzentos. Aproxima-se junto do cavaleiros que toca e estaca à sua frente. E olha a planta, que se vai tornando cada vez maior...

Uma criança maltrapilha, rota, desdentada e com cicatrizes e quase sem cabelo sorri. Deita a língua de fora e ri-se. Também a planta esboça um sorriso. E enrola-se no corpo do cavaleiro, que pára de tocar para que a planta não cresca mais. Mas a velha também tira uma flauta do bolso e começa a tocar a mesma melodia. E a planta, gigantesca, arrasta consigo o cavaleiro para dentro da lama. E o cavaleiro, debatendo-se e gritando, desaparece no solo lamacento...


... Nisto a música cessa. As árvores voltam a morrer; os animais emitem os seus sons inaudíveis e roucos. As estrelas mortas voltam a brilhar no céu com luz murcha; a criança e a velha desaparecem. E a Lua reaparece. E o seu sorriso cínico também...


.. Hoje, a música na flauta ainda se toca: toca-a um vacilante esqueleto com o pouco de carne que lhe resta sentado no cadáver de um avalo. E, sentada numa cadeira de crânios e árvores mortas, a Morte escuta a música com deleite...

2 comentários:

Eu disse...

Olá Gabriela :)
Reparei que já voltaste, o que quer dizer que o cavalo , ou cavaleiro sem cavalo vem contigo, o que se vê no texto.
Na minha opinião, o texto está muito original, mágico, bonito :)
E já que estás numa de cavalos, vai haver uma prova este fds, portanto se quiseres ver algo com cavalos, não sem eles, o site é:
www.doidasporcavalos.com

Beijinhos :)

Eu disse...

Sobre o teu simpático comentário :
Achei piada, quer dizer vocês têm mais tempo , logo mais aulas...
Que estranho.

Mas o teu cavalo está sem pneus não podes ir :P

Beijinhos

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