quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O menino que gostava de escrever

Era uma vez um menino que gostava muito de escrever. Nas suas histórias, todas as suas personagens tinham sempre finais muito bonitos e as palavras que usava para contar uma história tornavam-na encantadora, por mais simples que fosse.
Todos admiravam muito o menino que gostava de escrever.

Um dia, a professora encarregou os alunos de escrever uma redacção sobre um tema actual e realista. Imediatamente, todos os olhos pousaram sobre o menino, interrogando-se sobre o que iria sair daquela cabecinha tão pequena.
Ao chegar a casa, o menino começou a trabalhar na redacção.
- Uma composição sobre um tema actual e realista?
Depois de muito pensar, pegou numa folha de papel lisa e começou a escrever.

Era a história de um velhinho que morava numa cabana no meio da neve, num planeta que ainda ninguém havia descoberto e que tinha como única companhia os seus chinelos falantes.

No dia seguinte, as composições foram entregues à professora que, na tarde do mesmo dia, as entregou corrigidas.
Havia temas de todo o género: desde histórias com crianças paralíticas, ou que eram órfãs ou que viviam com pessoas que as tratavam muito mal. As notas foram bastante altas. Mas toda a turma se espantou quando devolveram ao menino a sua composição com um “Suficiente” escrito em letras vermelhas e grossas.
Os colegas, claro, não perceberam! Tinha sido a nota mais baixa! A professora, então, chamou-o à frente da sala:
- Gabriel, chega cá à frente…
O menino foi à frente do quadro, a medo. Os olhos dos colegas estavam, como sempre, postos em cima dele. A professora tornou:
- Lembras-te, com certeza, dos critérios pedidos para a elaboração da tua composição, não te lembras?
- Sim, senhora professora.
- Quais eram eles?
- A história deveria ser actual e bem realista.
- Ora acontece que a tua história não é actual, nem tão pouco realista.
Os colegas olharam para o menino com interesse.
- Gabriel, diz-me uma coisa, desde quando é que os chinelos falam?
A turma rompeu em gargalhadas. O menino respondeu:
- Falam na minha imaginação.
- Imaginação e realidade não são a mesma coisa…
- Isso é uma grande mentira! Antes de algo existir é preciso que seja imaginado!
A professora, que não gostou que a contrariassem, disse então:
- Não tenho muito a certeza de que um dia venham a existir chinelos falantes…
Os colegas riram de novo. O menino baixou a cabeça.
- E diz-me uma coisa: não me parece muito actual, muito menos real, um velhinho a viver numa cabana no meio da neve num planeta que ainda não foi descoberto. Isso parece-te verdade?
Mais gargalhadas abanaram a sala. O menino estava quase a chorar, mais ainda disse:
- Mas quantos velhinhos não vivem nas suas casas no meio da neve tendo como única companhia os seus chinelos?
O olhar da professora ficou subitamente carregado de cólera, como se o menino tivesse descoberto algo que lhe dizia respeito. E mandou-o sentar, com um recado para os pais por indisciplina. “Ousou responder a um superior” lia-se em letras bem visíveis, igualmente vermelhas.

Durante a noite o menino chorou. Mas seria mentira o facto de os chinelos não falarem?
Mas o certo é que, vendo-o tão abatido, os seus chinelos começaram a cochichar, perturbados. O menino ainda levantou a cabeça mas, lembrando-se da aula e do sermão da professora, murmurou:
- Os chinelos não falam…
Deitou a cabeça na almofada e adormeceu.

1 comentário:

Eu disse...

Olá Gabriela,
Ando afastada do blogue, mas arranjei algum tempo para ir a alguns blogues.

Este texto é muito criativo, pois por vezes os adultos não entendem o mundo das crianças, e a meu ver é isso que faz com que o mundo não evolua.
Claro que não podemos dizer que existem fadas e dragões, e tal, mas o Homem desde sempre que teve de sonhar para criar algo, mesmo que isso se tornasse num pesadelo, por isso se escutássemos um pouco as crianças, mesmo aquelas frases mais ingénuas, no futuro podiamos ver algumas coisas ditas no presente.
É a minha opinião.

Gostei, continuação de boas férias.
Beijinho

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