quinta-feira, 10 de julho de 2008

Roberto Calderón

Se ficou com uma má ideia do heterónimo anterior, creio que vai achar o Aurélio de Souza boa companhia após conhecer melhor o Roberto Calderón. Este (por agora) último heterónimo de que se tem conhecimento biográfico é o frio numa tarde de Verão, o fogo numa floresta, uma mancha num pano branco...
Vive no século XIX e é primo directo de Aurélio de Souza. No entanto, ainda que este o tivesse combinado, sempre rejeitou aceitá-lo como família e adoptar o mesmo apelido, ainda que por vezes necessite da sua ajuda, ou para o livrar da prisão, ou pagar dívidas...

Desconhece-se o nome verdadeiro de Roberto Calderón e ele também não o recorda. Sabe-se que vivia com os avós na Serra da Estrela, pois a mãe havia morrido quando ele nasceu e o pai suicidou-se. Também tinha um irmão gémeo que morreu afogado no rio aos 3 anos.
Em suma, desde muito pequeno se habituou a ver as pessoas de que gostava a partir, uma atrás da outra. E chegaria também a vez dos avós. Roberto, que tinha na altura 7 anos, foi levado para um orfanato em Lisboa e, um ano mais tarde, transferido para Espanha, onde viveu os piores anos da sua vida devido a maus tratos e más condições na habitação. Aprendeu também a falar espanhol, passando mesmo por não ser português, nacionalidade que rejeitou. Os outros órfão também não lhe facilitavam a vida, com excepção de um, o seu melhor amigo. Aos 17 anos decidiu que precisava de um nome. Nunca soube qual o seu nome, sabia que tinha um, mas não recordava, pois era muito pequeno e os avós chamavam-no quase sempre por "meu anjo" ou "príncipe dos olhos lindos" (este mais a avó, devido ao facto de os seus olhos serem de um negro muito profundo, não se distinguindo praticamente a pupila da auréola do olho, pois eram da mesma cor). Por isso arranjou o nome de Roberto Calderón, Roberto, que significa "glorioso" e Calderón, pois o primeiro castigo que lhe fora inflingido no orfanato espanhol foi o de despejar-lhe um caldeirão a ferver pela cabeça abaixo. E tivera a glória de nem soltar um gemido mordendo a língua com força, que seria decerto apreciado por quem lho deitou.
Combinou a fuga com o amigo, Marcelo (que, anos mais tarde, se refugiaria em França sob o nome de Marcel Dubois e que também é um heterónimo, cuja biografia ainda não tenho dados, também por agora). No entanto, esta correu mal e o amigo foi apanhado. Quando deu por isso, Roberto já se encontrava bem longe...
Durante os anos que se seguiram viveu na rua e teve actos de criminalidade, na sua maioria, para sobreviver. Aos 31 anos, chegou a Portugal e reencontrou-se com o primo Aurélio; ambos os primos não podiam ser mais diferentes.
Roberto é um anarquista e tem ódio aos bens materiais. Aprendeu violino à conta própria, por isso gosta que as pessoas se esforcem sozinhas e sem ajudas; essas, sim, são fortes, gloriosas como ele...
É muito alto, tem cabelo comprido, encaracolado. Os olhos são muito escuros bem como o cabelo e tem tez morena, a contradizer com o primo, que é muito branco. Veste habitualmente o seu primeiro casaco e não tenciona ter outro, ainda que este esteja gasto e com buracos. Aurélio tenat obrigá-lo a vestir-se convenientemente, mas sem sucesso. Por isso, esconde de toda a gente que é seu primo.
Roberto consegue ser extremamente agressivo e chega a agredir as pessoas que não gosta, às vezes sem motivo aparente. É extremamente inteligente (aprendeu a ler e escrever sozinho) e muito calculista... age muito de acordo com instinto de sobrevivência, ao qual está habituado. Por isso, pode ter comportamentos sem pensar primeiro. Coloca, por vezes, os sentimentos acima da razão, o que o leva a ter actos estranhos.
Nunca ninguém lhe viu um sorriso; Roberto tem sempre uma expressão carregada, zangada por vezes... apesar da sua aparência feroz, os seus olhos mostram uma pessoa, no fundo, incapaz de magoar um animal (magoa mais depressa uma pessoa) e tem uma expressão muito triste... nunca ninguém o viu, contudo, a chorar; isto porque as lágrimas não lhe caem dos olhos, mas do coração, que diz não ter. ("Tengo los ojos adonde tenía mí corazón hace mucho tiempo").

Teve uma paixão secreta pela dama apaixonada do primo e que desapareceu. No entanto, nunca fez nada a respeito disso ("Cómo puedo? Ella es tan blanca y yo tan oscuro... ella es tan buena y yo tan malo... Cómo puedo se ella es el agua y yo el fuego?).
Os seus poemas e narrativas são dramáticas como as do primo; no entanto, mais fatalistas e abordam com frequência o desejo da morte. Não tem anseios na vida; só uma coisa o faz viver: ahora no puedo, pero arreglaré dinero y boy a buscar mi amigo Marcelo ni que tenga que corrir hasta el fin del mundo!
Trascrevo um poema de Marcelo (Marcel Dubois), que foi para França após a saída do orfanato e de Roberto Calderón.

Dans cette maison où tout est possible
les mots sont aussi livres,
et grandent, et vivent et meurent
comme le Soleil et faisent-il, jaune,
se torner un peu de rouge...

Dans cette maison où tout est possible
j'habite aussi livre comme les mots
je vole avec mes paroles
achetêr un peu de papier
pour écrire avec les mots que meurent...

(La tristesse habite le plus profonde de mon coeur
Je ferme mes yeux et vois tout noire...)

Dans cette maison où tout est possible
mon coeur ne me laisse pas avoir de rêves...


Verte así, muerto, no es sencillo,
Ni siquiera, triste, ese tu estado,
¡Ah, que es quedarse sepultado
Debajo de ún gran castillo!

En caminos llenos de soledad
Yo he encontrado dolor y muerte
Ni siquiera tú has tenido la suerte
De huir de esa cruda voluntad…

Estas paredes escuchan, hablan:
“¡No existen personas que hagan
Estos pobres salir de tristura!...”

¡Ah, cuánta pena de ellas yo tengo!
Pues que así, esperanzado, vengo:
Voy a levantarte de tu sepultura…

1 comentário:

Anónimo disse...

woow!Nunca tinha ouvido falar de heteronismo...
auhauahauhauah.. mas gostei do post. Achei interessante!Boa! :)

http://news-of-music.blogspot.com/

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