quinta-feira, 26 de junho de 2008

Aurélio de Souza


Hummmm, pois... não é o heterónimo mais agradável... Com a sua cartola, luvas brancas e fato preto, Aurélio de Souza (cujo apelido adora por ter Z) impõe respeito e ser tratado como um nobre... e tem razões para isso...
Foi uma criança a quem lhe foi reservada uma minuciosa educação: aprendeu música, pintura, esgrima, tinha inclusive lacaios e professores particulares que lhe ensinaram as mais diversas disciplinas... Os pais (comerciantes muito ricos) conseguiam suportar todas as suas exigências que eram prontamente concedidas a um simples pedido seu. Nunca teve, por isso, muitos amigos e os únicos que tinha eram-no devido à sua condição na sociedade. Para mais, era extremamente selectivo: os seus amigos tinham de ser bonitos, ter boas roupas, andar nos melhores colégios e ter uma condição semelhante ou melhor que a sua. Caso tivesse melhor, era capaz de até lhe engraxar as botas só para ganhar a sua confiança...
Hoje, tem 37 anos e, por debaixo de todo o seu aparato, esconde um homem de cabelo curto, liso, sempre penteado, de olhos castanhos, de semblante pálido. Tem estatura média.
É conhecido por ter um gosto requintado e ser muito crítico, às vezes extremamente exigente com os outros: exige perfeição, beleza, tudo aquilo com que ele foi educado... Pode ser um pouco antipático.
No entanto, tudo aquilo que ele parece ser, não passa de uma capa. Quanto ele não daria para se desfazer de todo o seu dinheiro e ser livre! Mas tem consciência de que está demasiado dependente, se bem que nem tenta fazer um esforço para se libertar...
Teve uma história triste... tinha, na altura, 23 anos e, se conseguia ser mulherengo e todas se aproximavam e aguentavam a sua antipatia por interesse, houve uma que desapareceu da sua vida para o evitar... agoniavam-na os seus jantares, as suas roupas, a sua perfeição! Um dia, fez-lhe um ultimato: ou largava o seu estilo de vida e o seu dinheiro ou ela desapareceria para sempre... Mas ele sabia-se tão dependente!...
Ainda hoje se arrepende por o seu amor por ela não ter sido maior que o seu gosto por dinheiro. Não foi. Ela desapareceu. Hoje, ainda a procura ansiosamente pelas ruas, sob variados pretextos. Procura-a no caminho para casa, no caminho para as casas dos outros, procura-a no caminho para o médico... mas ela desapareceu...
Os seus poemas são tristes e melancólicos. O sentimento predominante é a saudade.

Verdes campos, longos rios, prados floridos
Que em uma tarde amena o Sol doirou
Bem como as lembranças que o longo rio levou
Mais os sonhos que reguei em tempos idos…

Por entre cantares, pássaros adormecidos
O luzir do Sol meu coração curou
Da ausência e da saudade por quem chorou
Em dias remotos, em lugares perdidos…

E, apesar de luzir no céu o Sol brilhante
Sinto assomar em mim a cada instante
Um coração ferido e sempre triste!...

Tivesse eu podido travar tal tormento!
Que o mesmo Sol me tivesse dado alento
No dia em que de meus olhos te partiste!...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Francisco de Sá


Francisco de Sá é, de todos os meus heterónimos, o mais agradável. Quem se sentirá mal ao pé deste sonhador de caracóis loiros e olhos azuis?
Tem 23 anos e é um jovem inteligente. Podia participar nas folias dos outros jovens da sua idade, mas prefere o campo e sentar-se debaixo de uma árvore, umas vezes a tocar uma flauta feita por si, outras a imitar o arulhar dos pombos, ou mesmo estendido na relva a sonhar enqnato olha as flores. É de poucas palavras e, como é tímido, envergonha-se com facilidade. É ajudante de Saraiva Baptista que, de quando a quando, tem de lhe dar umas palmadas na cabeça; como senhor racional que é, Saraiva Baptista não tolera muito as súbitas distracções de Francisco.
Está sempre alegre e nunca tem uma expressão pesada. Muito modesto, nunca teve um momento de vaidade ao pé de elogios, que são frequentes.
Nunca tem maus pensamentos ou preocupações. Todo ele é flores, nuvens, rios, montanhas... Só sonha com coisas bonitas...
Adora borboletas e faz retratos minuciosos delas.
É alto e isso não lhe agrada muito: preferia ser mais baixo, porque assim os galhos das árvores não se partiam com facilidade quando as trepa. E também ficava ao nível das crianças, com as quais simpatiza muito.
No meio da confusão, é o pacificador.
E a sua poesia é sonhadora como ele, livre como ele e muito fluida... quase prosa... usa frequentemente elementos da natureza. Comove-se com facilidade por motivos mínimos para muita gente.


O pássaro está morto
E, como ele, também eu morro aos poucos
Cada vez que recordo,
Com saudade,
A canção do pássaro morto.


O pássaro está morto
E fui eu que o segurei morto.
Não pode voar para o céu.
É escura, triste e fria
A lápide do pássaro morto.


O pássaro está morto e eu também.
Deito-me debaixo da árvore onde cantou.
As folhas caem da árvore sobre mim
E eu fecho os olhos,
Começo a sonhar…


Enquanto morro eu tenho um sonho:
Nele, as flores têm mais cor
A árvore cobre-se de folhas novas
E, inquieto e feliz na janela,
Ouço cantar o pássaro morto…




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